Chamada de Trabalhos: Prorrogada - Chamada de Trabalho Dossiê Temático

“É preciso ter em conta que a universidade não está à margem da história de um país, ao contrário, integra a história e é por ela atravessada, segundo os dizeres de Maria de Lourdes Fávero (FÁVERO, 1980), numa espécie de relação dialética. Também por esta razão, a universidade enfrenta sucessivas crises e diversas reformas.

Ao mesmo tempo, é importante considerar que, quando falamos a respeito da universidade, o seu significado não é o mesmo em todo e qualquer lugar, nem ao longo do tempo. Ainda que nos limitemos à universidade europeia, por exemplo, não há um sentido inequívoco de seu papel, de suas funções e de sua estruturação (TORGAL, ÉSTHER, 2014). Não é por acaso que a literatura aponta alguns modelos emblemáticos de universidade, por assim dizer, tais como o da universidade napoleônica, na França, da universidade alemã de Humboldt, da universidade inglesa de Newman, bem como da própria universidade estadunidense. Neste aspecto, comparações simplistas seriam ingênuas, pois diriam respeito a contextos culturais, políticos e econômicos distintos.

No mundo global atual, o incremento das tecnologias de transporte, de informação e comunicação têm favorecido a mobilidade acadêmica internacional, a formação de redes de pesquisa e tudo isso tem proporcionando possibilidades de avanços antes inimagináveis. Ao mesmo tempo, têm possibilitado a emergência e a construção de mercados globais, sobretudo em economias de cariz neoliberal, em que, virtualmente, qualquer coisa pode ser transformada em mercadoria transacionável, visando ganhos financeiros. É neste sentido que iniciativas como o Processo de Bolonha ganharam espaço na Europa, por exemplo. Porém, a materialização desta estratégia implicou uma espécie de padronização do modelo de educação superior, de modo a favorecer a mobilidade acadêmica internacional, mas, sobretudo, sua comercialização.

É assim que faz sentido a previsão (na década de 1940) de Karl Polanyi de que estaríamos diante da passagem de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado, de tal forma que, em vez de existir uma economia incrustada (embedded) nas relações sociais, as relações sociais é que estariam incrustadas no sistema econômico. Em outras palavras, a subordinação da sociedade ao mercado.

Uma das consequências nefastas de tal perspectiva é sua naturalização, como se ela fosse espontânea, a-histórica. Daí a necessidade de problematizar esta “fuerza hegemónica del pensamiento neoliberal, su capacidad de presentar su propia narrativa histórica como el conocimiento objetivo, científico y universal y a su visión de la sociedad moderna como la forma más avanzada – pero igualmente normal – de la experiencia humana” (LANDER, 2000, p.12)Esta é uma das razões pelas quais reflexões sobre a universidade se fazem relevantes e oportunas, pois possivelmente a instituição seja o último reduto em que o exercício da reflexão crítica e a busca pela verdade ainda é possível. Não é por acaso a ocorrência de tentativas recentes, no país, de denegrir a instituição sob a alegação de inculcação ideológica, disseminadora e propagadora de um suposto “marxismo cultural”, dentre outras acusações infundadas.

Quando levamos em conta a literatura acadêmica acerca da universidade brasileira, por seu turno, verificamos a predominância de estudos e pesquisas sobretudo no campo da Educação, da Sociologia da Educação e da História. Os estudos no campo da Administração são muito recentes, comparativamente. Ainda assim, é notória a prevalência de perspectivas que privilegiem a gestão em seus aspectos mais funcionais e instrumentais, em detrimento de estudos de cunho mais reflexivo. Para além desta constatação, e talvez mais grave sob certos aspectos, observamos a ocorrência de interpretações que tomam maciçamente como referências uma literatura exógena, particularmente estadunidense e europeia. Raramente, os pesquisadores brasileiros buscam referencias entre os autores latino-americanos – a exemplo de Aníbal Quijano, Carlos Tünnermann Bernheim, Carmen García Guadilla, Daniela Perrotta, Edgardo Lander, Jocelyne Gacel-Ávila, María Soledad Oregioni, Nelson Maldonado Torres, Ramón Grosfoguel, Walter Mignolo –, para além de alguns autores brasileiros “clássicos”. Implicitamente, os estudos acabam por assumir os pressupostos e os pontos de vista daqueles autores, em detrimento de pesquisadores “nativos”, por assim dizer. Neste sentido, são muito bem-vindas reflexões dentro do que se convencionou chamar de perspectiva “decolonial”, ou estudos “pós-coloniais”. Evidentemente, não negamos nem repudiamos contribuições que não se encaixem nesta perspectiva, mas buscamos compreender nossa realidade mais próxima – a brasileira – bem como a de nossos vizinhos de língua espanhola, cuja importância não pode ser desconsiderada, embora muito pouco explorada nos estudos organizacionais.

 

Considerando a realidade concreta brasileira, o modo como governos percebem e, em consequência, lidam com a universidade pública tem oscilado. Esse pêndulo redefine possibilidades e ações de instituições privadas.

 

Em linhas gerais, os anos 1990 questionaram a eficiência da universidade pública e seu foco, instaurando mecanismos de evidenciação de ações e de remuneração docente mediante demonstração de desempenho. O segmento privado serviu-se de aportes de recursos, por meio de processos de publicização, notadamente em organizações de excelência.

 

Nas décadas de 2000 e 2010 instituições públicas de ensino superior foram consideradas vetores para o desenvolvimento social. Sua multiplicação e interiorização foi estimulada, ainda que de modo subfinanciado em alguns casos, e o acesso foi viabilizado por meio de políticas de equidade, potencializando o pluralismo intramuros. Ofertantes privados de educação superior também foram contemplados, por meio de programas centrados em renúncia fiscal por parte do Estado.

 

No presente, percebe-se nova mudança de posicionamento do governo diante de instituições públicas, por meio do questionamento de seu alto custo, em face das demandas dos ensinos fundamental e médio e, até, da seriedade de seus atos – culminando na infeliz referência à “balbúrdia”, por parte do atual Ministro da Educação. No que se refere ao setor privado, foram mantidos os programas em curso e não há sinalização de novas premissas ou políticas, findo o primeiro semestre do governo Bolsonaro.

 

Este pêndulo, que em momentos distintos valoriza e desqualifica a universidade pública e, ato contínuo, sinaliza maior ou menor possibilidade de expansão da educação superior privada, reconfigura o macroambiente que envolve a universidade e, ainda, seu microambiente. Na medida em que não são criadas condições favoráveis perenes, isto dificulta, inclusive, a atração e a permanência de professores, pesquisadores e estudantes com alto potencial de produção e contribuição científica (SIEKIERSKI, LIMA, BORINI, 2018).

 

Muitos são, portanto, os pontos que instigam o debate sobre a universidade no Brasil e na América Latina. No intuito de sinalizar possibilidades para este dossiê temático, destacam-se como perguntas que podem ser contempladas pelos trabalhos que serão submetidos:

 

a)     Em que medida o pêndulo brasileiro reflete condicionantes políticos, econômicos e ideológicos sobre a educação superior também observáveis em países da América Latina?

b)     Como os aspectos mencionados reconfiguram o macroambiente da universidade (pública, principalmente), redesenhando suas relações com atores estatais, sociais e de mercado, moldando suas estruturas de governança e interferindo em sua autonomia?

c)     Como os mesmos elementos interferem em seu microambiente, impondo novos desafios aos gestores e contemplando o pluralismo – que é produto do tempo presente e é potencializado por políticas de equidade, que aproximam a universidade do tecido social de seus países?

d)     Como podemos compreender a universidade latino-americana – e a brasileira em particular – no mundo atual sem nos atermos às concepções hegemônicas eurocêntrica e estadunidense?

e)     De que universidade o Brasil e a América Latina necessitam diante dos desafios que lhes são impostos, especialmente num contexto de internacionalização, massificação e mercantilização da educação?

f)      Neste contexto, como enfrentar as ameaças a que estão submetidos os princípios norteadores da universidade, especialmente a autonomia e a liberdade acadêmica ou de cátedra?

 

Para esta edição, portanto, convidamos autores e autoras que estejam dispostos e dispostas a problematizar e a tecer argumentos sobre aspectos estruturais, atitudinais e relacionais que envolvam a instituição universitária e os diversos atores que a constituem. Serão bem-vindas diversas perspectivas teóricas, epistemológicas e metodológicas, especialmente de cariz crítico e interdisciplinar, sejam em forma de ensaios teóricos ou estudos teórico-empíricos, trazendo contribuição para o campo de estudos organizacionais e para a compreensão de nossa realidade educacional”.

Submissão

A chamada está aberta para todas as seções da Revista: capas, artigos, ensaios, debates, entrevistas, resenhas, registros fotográficos ou vídeos. As contribuições devem registrar que a submissão é para a Chamada no próprio sistema.

Prazo
As contribuições para o dossiê temático “A Universidade no mundo global: reflexões, desafios e perspectivas para o Brasil e América Latina” se encerram impreterivelmente no dia 30 de janeiro de 2020 (quinta-feira).

EDITORAS E EDITORES ESPECIAIS

Angelo Brigato Ésther

Manolita Correia Lima

Maria Fernanda Rios Cavalcanti

Virgílio Cézar da Silva e Oliveira


Referências citadas

FÁVERO, M. L. A. Universidade e poder: análise crítica / fundamentos históricos: 1930-45. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980.

LANDER, E. Ciencias sociales: saberes coloniales y eurocéntricos. En LANDER, Edgardo (Compilador). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000.

POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

SANTOS, B. S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

SIEKIERSKI, P., LIMA, M. C, BORINI, F. M. International Mobility of Academics: Brain Drain and Brain Gain. European Management Review, v. 14, p. 10, 2018.

TEIXEIRA, A. Educação e universidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1988.

TORGAL, L. R., ÉSTHER, A. B. Que universidade? Interrogações sobre os caminhos da universidade em Portugal e no Brasil. Juiz de Fora, EUDFJF; Coimbra: IU, 2014.



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